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9 de jan. de 2013

Ossos do Ofício

Esse texto narra as "desventuras" de quem escolheu cursar História. Encontros de família, reuniões de empresa, encontros sociais são propícios para que esses "diálogos históricos" aconteçam, deixando o pobre do historiador sem saber o que dizer: ou começa um discurso explicando o que aprendeu na academia (acabando com o encontro e proporcionado uma aula de História grátis) ou deixa assim, finge-se de surdo e deixa a vida continuar para evitar a fadiga...

Retirado daqui.

“Você que é da História…”


Eu tenho certeza que TODOS os historiadores da minha geração já passaram por algo parecido.
Reunião de família, te apresentam o cunhado de alguém ou tio de alguém ou primo da mãe do Badanha. O sujeito é advogado ou semelhante. Já chega te abalroando:
- Tu é da História, né?
- Sou.
- Eu gosto muito de História. Acho lindo. Pensei até em cursar, só não fiz por causa do salário. Não dá, né?
- Mmmm
- Mas eu leio muito História, por conta. Por diletantismo, sabe? Eu até lembro de um professor que eu tive na faculdade de Direito. Era juiz até: Doutor Demerval Mascarenhas Paranhos do Couto e Silva. Acho que era formado em História. Não conhece?
- Não…
- Uma pena, acho que tu, que gosta de História, iria aprender muito com ele. Eu aprendi. Ele sempre começava o conteúdo fazendo um histórico, sabe. Ninguém suportava… mas eu ficava encantado.
- Mmmm…
- E onde é que tu leciona História?
- Na universidade.
- Sei… mas me diz uma coisa: lá vocês ensinam a verdadeira história mesmo, ou essa que ensinam por aí, para enganar a gurizada?
- Não entendi.
- Tipo: vocês ensinam que o Brasil não foi descoberto por acaso?
Eu fico em silêncio, quase em alarme, ele insiste.
- Ensinam ou não ensinam?! [a cara dele me assusta]
- Na verdade, isso não tem importân…
- COMO NÃO TEM IMPORTÂNCIA? Tô dizendo, enganam a gurizada! Na verdade os portugueses sabiam já que tinha terra aqui. E vieram de propósito. Encheram os índios de quinquilharias e trocaram pelo pau-brasil, que valia milhões. Tudo em troca de uns machadinhos, espelhinhos, bugigangas!
Nesse momento, me sinto chamado ao dever e tento ser sério.
- Não foi bem assim. Os povos que habitavam o litoral praticavam uma agricultura a partir de queimadas e derrubadas de floresta. E usavam machados de pedra, então os machados de ferro podem ter sido vistos, por eles, como algo muito valioso.
Ele me olha, intrigado.
- Agricultura, é? Achei que eles só caçavam e ficavam lá, na rede… Bem, mas os portugueses eram todos burros mesmo… nosso azar foi ter sido colonizado por eles. Se tivéssemos sido colonizados por holandeses…
- Seríamos o Suriname.
Ele me olha feio. Mas segue me ensinando.
- Tá, mas pior papel fizeram os negros, que vendiam seus próprios irmãos na África.
Eu começo, realmente, a ficar sem paciência.
- Não, não vendiam.
- Daí sim!
- Os reinos e tribos africanas vendiam os rivais.
- Mas era tudo negro e todos africanos.
Eu elevo o tom de voz.
- Mas eles nem sabiam o que era África.
- Eram burros?
- Não, eles não tinham satélite! Tinham tanto a ver uns com os outros como um espanhol e um búlgaro.
Ele não se dá por vencido e procura um assunto que lhe seja mais familiar.
- Que seja, mas eu não gosto de ser brasileiro. Prefiro dizer que sou gaúcho!
- Mmmm
- Claro, porque os gaúchos não são acomodados que nem os brasileiros!
- Como assim?
- O povo brasileiro é muito frouxo, deixa todo mundo passar por cima. Já os gaúchos não! Quando quiseram nos meter o cabresto, fizemos a Farroupilha!!
- Mas, na mesma época, teve a Balaiada no Maranhão, Cabanagem no Pará, Sabinada na Bahia… E, na Farroupilha, metade dos rio-grandenses lutou pelo Império…
Ele fica meio perdido, mas tenta lançar a cartada final.
- Esse teu sobrenome. É italiano com alemão, né?
- Sim.
- Mistura boa!
- Hã?
- Mistura boa! Eu mesmo sou alemão puro. Meus ancestrais vieram a Pomerânia, de um lado, e da Westfália de outro. Eram nobres!
- Como é que é?
- Sim, eram nobres. E os da família da minha mulher também, só que eram italianos. Quer ver, vou chamar ela. Mãe, vem cá. Ó… ele é da História. E é de origem também. Eu estava contando que nossos ancestrais eram nobres, na Europa, deixaram um castelo e muitas terras.
A mulher, com ar simpático, assente com a cabeça. Mesmo assim, não me contenho.
- Acho difícil. A grande maioria dos imigrantes era plebeu e pobre. Aliás, muito pobre.
Ele perde a paciência comigo.
- Mas agora tu quer saber mais que eu sobre a minha família. Eu encomendei a pesquisa num site da internet, me mandaram até o brasão, eu coloquei ele lá, em cima da minha churrasqueira. Se tu duvida entra no computador e digita: “KLAGENSMÖBELUFT”.
Então solta uma risadinha nervosa, e completa:
- Claro, isso SE tu soubesse ler em alemão…
E sai, furioso, batendo os calcanhares. Ficamos eu e a gentil senhora, que me olha como quem pede desculpas.
- Deixa o Arno, ele é meio grosso mesmo.
- Tudo bem, acho que eu também fui…
- Mas escuta, tu é da História, então?
- Sou.
- Eu tive uma experiência… acho que eu nem devia estar falando isso. Mas é que tu vai me entender… É que… eu estive lá, sabe?
- Lá onde?
- Na História! Quer dizer… no plano astral…
Eu abro a boca e tento impedir que ela continue, tento dizer que não tem nada a ver, mas ela já está falando quase para si mesma. Baixa a voz, olhos marejados, segura o meu braço e confidencia:
…eu fiz uma regressão a uma vida passada minha. Nossa, entendi tanta coisa… Sabe, eu fui CLEÓPATRA!
Eu respiro fundo, penso, percebo que já bebi o suficiente e tomo a melhor decisão. Solto um sorriso que torço para que não pareça tão falso e sapeco:
- Cleópatra! Nossa…! Mas me diz… e como era lá?

3 de jan. de 2013

Charge do dia




Em 1964 ocorreu o golpe militar que implantou uma ditadura no Brasil. Em 1965, os partidos políticos que existiam antes do golpe foram extintos e nos seus lugares foram criados dois: a ARENA e o MDB. 
A ARENA (Aliança Renovadora Nacional) foi o partido criado para ser favorável ao governo ditatorial, enquanto o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) foi o único partido de oposição legalmente permitido.
Em 1979, quando o pluripartidarismo (sistema político onde existem vários partidos políticos, não apenas dois) foi novamente liberado, a ARENA foi extinta.
Mas eis que, em 2012, resolveram refundar a ARENA. Esta charge se refere a esse acontecimento.