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20 de fev. de 2013

"Tempo, tempo, mano velho..."

Adorei esse artigo da Isabel Clemente e vou postar por aqui.
A relação entre gerações, não somente nas questões tecnológicas (que cada vez estão mudando e deixando todos com aspecto de ultrapassado), mas também sobre a percepção do tempo e da trajetória de vida das pessoas. O texto foi retirado daqui.

Pais do século passado


Criança adora ter curiosidade para contar. A minha novidade era ter uma avó do século 19. Vovó Jandyra, nascida em 1900, era praticamente uma figura histórica na família. Ela trazia a marca de um tempo na data de aniversário, uma data que não pertencia ao meu século, o 21. Essa fronteira estava sempre lá, toda vez que eu olhava para vovó e penteava seus longos cabelos grisalhos, sempre caprichosamente presos numa trança.
Talvez seja a proximidade dos meus 40 anos, algo que me fez pensar muito em datas de aniversário, mas me dar conta de que os pais do século passado agora somos nós me deixou com aquela expressão de “é mesmo…”.
A última geração da minha família a ser dividida pelo calendário em séculos diferentes foi a dos meus bisavós. Nascidos em 1800 e alguma coisa, pariram seus filhos no século 20, à exceção dos pais da vovó Jandyra, claro.
O calendário nos sugere etapas a serem vencidas: um dia, uma semana, um ano…Séculos diferentes evidenciam etapas e caminhos distintos trilhados por nós antes dos filhos chegarem. Uma espécie de cortina de fumaça. Eu vi o século 20. Vocês, não.   Tudo muito psicológico, eu sei, mas agora que vocês passaram a integrar comigo a nação dos pais do século passado, psicologicamente afetados pelo fato, vou adiante.
A nossa situação ficou um pouco pior com a revisão ortográfica, tal qual aconteceu com a geração dos nossos bisavós e avós. Vovó, aquela de 1900, morreu jurando que farmácia se escrevia com ph. As mudanças na língua deixaram vovó um pouco mais para trás no tempo. Por obrigação de ofício, já tirei as tremas e os acentos assassinados da minha escrita, mas ainda não me conformo com o fim do acento que diferenciava para do verbo parar do para preposição. Por ainda ter dúvidas sobre a extinção de muitos hífens (deu tanto trabalho decorar quais prefixos levavam hífen e quais não), me sinto um pouco como vovó diante do sumiço do ph.   Minhas filhas – uma recém-alfabetizada e outra de 3 que ainda é café-com-leite na dedanha – nem saberão que, um dia, ideia levou acento.


A sensação de que um abismo secular – e agora uma revisão ortográfica – me separa delas piorou dias depois durante visita ao Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Identifiquei no acervo uma enceradeira igualzinha à que usávamos em casa para polir o chão de tábua corrida quando eu era criança. Eu adorava subir no equipamento como se faz hoje com um patinete motorizado.   Surpresa como quem reencontra na rua uma velha conhecida, tratei de apontar a geringonça para minha filha mais velha e expliquei para que servia. A garotinha de 7 anos arregalou os olhos impressionada. “Sério?“.
Em seguida, vi uma televisão com controle remoto, um dos primeiros modelos lançados por um fabricante nacional, e que também fez parte da minha infância.
“Olha aquela, olha aquela! Eu tive uma dessas em casa!”
A filha me lançou aquele olhar lá de baixo com uma careta de quem achou a pequena TV o fim da picada. A expressão infantil em seu rosto poderia levar a seguinte legenda: “E você se orgulha disso!?”
Animada, e já nem aí para minha plateia (sem acento!), fui sozinha atrás de uma máquina de escrever pensando “deve ter uma igual à minha por aqui…cadê…”
Eu não sei o que isso irá significar quando elas cresceram mais um pouco e começarem a concluir com os amigos que nossos pais são do século passado, tem que dar um desconto para eles. Preparem-se para as piadas.
Assistimos TV em preto e branco. Brincamos com o avô dos jogos eletrônicos, o Atari, e o bisavô (lembram daquele rudimentar jogo eletrônico de tênis na televisão?). Vimos surgir a TV colorida e canais abertos como grandes acontecimentos. Testemunhamos uma revolução de costumes, mas estamos a léguas de bites dos nossos filhos, criados com um cardápio televisivo que chega às centenas de canais.
Não nos ensinaram a lidar com smartphones, tablets, MACs e Ipods na escola. Chegará o dia em que minhas filhas dominarão meu computador e seus aplicativos com muito mais desenvoltura do que eu _ que tive de ir aprendendo na marra enquanto trabalhava, amamentava, cuidava delas, do meu casamento, da minha vida e tentava dormir no intervalo disso tudo _ e comentarão penalizadas “mamãe não usa nem 20% daquele Mac”. Verdade, e eu vos direi: fazemos o mesmo com nossa mente e estamos aí.



Como uma típica representante do século 20, estarei nesse curioso limbo entre a rede social e o encontro cara-a-cara. Um é legal mas o outro, muito melhor. Acho que continuarei implicando com jogos eletrônicos e com essa mania que quase todo mundo tem de falar contigo enquanto atualiza algo no smartphone.
Como pais do século passado, somos velhos o suficiente para saber que a evolução é rápida mas que se adaptar é possível. O bom é que somos jovens o bastante para nos empolgarmos com as novidades e usar a tecnologia sem perder de vista o mais importante: o tempo de conviver.
Somos o elo obrigatório entre duas eras e duas galeras. Uma que reunia a família na sala para assistir a slides da viagem e outra que compartilha álbuns no Facebook com os amigos em tempo real. Somos uns privilegiados que, como todos os pais, também querem ensinar a nossos filhos o valor de certas tradições.
Que venham as piadas, portanto. A gente aguenta.