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30 de dez. de 2012

Cidadania x Escravidão



Esse post reproduz um trecho do livro de José Murilo de Carvalho que discorre sobre a construção da cidadania em um Brasil escravocrata e latifundiário. Eu já reproduzi alguns trechos desse livro em um post anterior.
Segue o trecho selecionado:

Escravidão e grande propriedade não constituíam ambiente favorável à formação de futuros cidadãos. Os escravos não eram cidadãos, não tinham os direitos civis básicos à integridade física (podiam ser espancados), à liberdade e, em casos extremos, à própria vida, já que a lei os considerava propriedade do senhor, equiparando-os a animais. Entre escravos e senhores, existia uma população legalmente livre, mas a que faltavam quase todas as condições para o exercício dos direitos civis, sobretudo a educação. Ela dependia dos grandes proprietários para morar, trabalhar e defender-se contra o arbítrio do governo e de outros proprietários. Os que fugiam para o interior do país viviam isolados de toda convivência social, transformando-se, eventualmente, eles próprios em grandes proprietários.

Não se pode dizer que os senhores fossem cidadãos. Eram, sem dúvidas, livres, votavam e eram votados nas eleições municipais. Eram os "homens bons" do período colonial. Faltava-lhes, no entanto, o próprio sentido da cidadania, a noção da igualdade de todos perante a lei. Eram simples potentados que absorviam parte das funções do Estado, sobretudo as funções judiciárias. Em suas mãos, a justiça, que, como vimos, é a principal garantia dos direitos civis, tornava-se simples instrumento do poder pessoal. O poder do governo terminava na porteira das grandes fazendas.

A justiça do rei tinha alcance limitado, ou porque não atingia os locais mais afastados das cidades, ou porque sofria a oposição da justiça privada dos grandes proprietários, ou porque não tinha autonomia perante as autoridades executivas, ou, finalmente, por estar sujeita à corrupção dos magistrados. Muitas causas tnham que ser decididas em Lisboa, consumindo tempo e recursos fora do alcance da maioria da população. O cidadão comum ou recorria à proteção dos grandes proprietários, ou ficava à mercê do arbítrio dos mais fortes. Mulheres e escravos estavam sob a jurisdição privada dos senhores, não tinham acesso à justiça para se defenderem. Aos escravos só restava o recurso da fuga e da formação de quilombos. Recurso precário porque os quilombos eram sistematicamente combatidos e exterminados por tropas do governo ou de particulares contratados pelo governo.

Trecho de: CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: um longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 21-22.

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