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22 de jul. de 2013

Território quilombola em Porto Alegre

Trago hoje uma reportagem de um possível novo território quilombola em Porto Alegre. Antes de colar a notícia, vale a pena esclarecer alguns pontos.
A escravidão ocorreu em todo o território brasileiro. Portanto, pode haver territórios quilombolas em qualquer lugar do país.Quando a gente escuta ou lê sobre quilombos, é mais provável lembrar do Quilombo dos Palmares, que esteve localizado no território do atual estado do Alagoas, e de Zumbi dos Palmares. Entretanto, muitos territórios pelo país foram ocupados pelos escravos e seus descendentes, antes ou depois da abolição da escravatura em 1888. 
Atualmente, os locais que são considerados territórios quilombolas possuem garantias diferenciadas. A principal é a permanência do local para os descendentes de escravos. Nem todos os territórios quilombolas estão situados nas periferias das cidades. Aliás, a ocupação dos espaços mudam com o passar do tempo e o que antes era longe do centro da cidade, com o tempo, o crescimento da população, as transformações nas cidades e a especulação imobiliária, pode acabar se situando em uma zona muito valorizada. Estar em uma área que é muito valorizada é um problema para um quilombo, que em sua maioria é formado por uma população muito pobre, já que os escravos depois da abolição foram abandonados as suas próprias sortes e seus descendentes estão lutando, ainda hoje, por melhores condições de vida. Aos olhos de muitos, esses territórios são "favelas", "casebres", "lugar de gente pobre e feia", "onde só tem maloqueiro".
Para um local ser considerado um território quilombola é necessário muita burocracia e estudo. Necessita-se de um relatório sócio-histórico-antropológico feito por uma equipe multidisciplinar (antropólogos, historiadores, funcionários estatais, comunidade, etc) que realmente comprove que aquele espaço foi ocupado por escravos e que seus descendentes ainda estão lá. Isso leva anos para ficar pronto.

Segue a reportagem retirada do jornal Sul21:

Areal da Baronesa está perto de se tornar território quilombola

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Origem de área quilombola remonta ao século XIX | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Felipe Prestes
Foi publicado nesta quinta (18) no Diário Oficial o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola do Areal/Luiz Guaranha. Após a publicação deste documento, o rito determina um período de 90 dias para contestações, mas isto não deve acontecer. “Só afeta áreas públicas, do Governo do Estado e Prefeitura de Porto Alegre, e já há acordo com eles para a titulação do território quilombola”, explica a antropóloga Janaína Lobo, do INCRA. Em pouco tempo, portanto, a comunidade terá posse definitiva da área que habita há mais de um século.
Conhecido como o Areal da Baronesa, o local fica no limite entre os bairros Cidade Baixa e Menino Deus e é um dos mais tradicionais redutos de cultura negra na capital gaúcha. A área de 4,5 mil m² compreende a Avenida Luiz Guaranha, que, na verdade, é uma rua sem saída, onde vivem 67 famílias e cerca de 300 pessoas.
Segundo o relatório sócio-histórico-antropológico, que é parte do RTID e foi coordenado pela antropóloga Denise Jardim, da UFRGS, a área pertencia à Baronesa de Gravataí e passou a ser reduto de ex-escravos e seus descendentes no século XIX, em data imprecisa. “A ocupação remonta à chácara da Baronesa do Gravataí, essas pessoas são remanescentes de quem vivia na senzala desta chácara. Claro que, como em toda comunidade viva, outras pessoas foram se agregando ali. Não é possível precisar a data. O certo é que foi no século XIX”, explica Janaína Lobo.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Comunidade do Areal da Baronesa buscava titulação há mais de dez anos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Naquela época os jornais tratavam o Areal como se fosse outro país dentro de Porto Alegre. Há uma especificidade cultural e uma história ligada ao período da escravidão, características dos territórios quilombolas, além de um vínculo comunitário e espacial”, complementa a antropóloga.
A comunidade busca a titulação há mais de dez anos, embora o processo tenha começado, de fato, em 2005. “Não temos palavras. É a vitória do nosso movimento. Muitas vezes a gente procurava ajuda e não tinha resposta”, comemora Alexandre Ribeiro, presidente da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal.
Janaína Lobo explica que a posse da área será coletiva, em nome da associação. A área não poderá ser vendida, nem penhorada. Haverá total autonomia para admitir novos moradores, novas construções, mas todas as decisões têm que passar por reuniões da associação. “A emissão de título é muito importante porque garante que eles permanecerão, não ficarão à mercê de possíveis reestruturações urbanas forçadas. É incrível como a comunidade conseguiu se manter em uma área central da cidade desde o século XIX, já que Porto Alegre é alvo de frequentes remoções forçadas e processos de gentrificação”.
Alexandre Ribeiro afirma que já houve especulações sobre a remoção da comunidade, mas que nunca passaram de boatos. “Agora, a gente não sai mais. E poderemos nos focar em melhorias nas nossas casas, um futuro melhor para nossas crianças”.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Primeiro Rei Momo de Porto Alegre era morador do Areal da Baronesa | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Areal foi reduto do Carnaval em Porto Alegre
Entre as décadas de 1920 a 1950, aproximadamente, o Areal da Baronesa foi um dos redutos do Carnaval de rua em Porto Alegre. “Na época de minha avó e minha bisavó, grupos chamados de coretos passavam por aqui. Era costume moradores oferecerem uma grande festa em sua casa para determinado coreto”, conta Fabiane Xavier, integrante da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal.
Com o surgimento das escolas de samba, o festejo nos bairros minguou, mas a região seguiu sendo importante para a folia. O primeiro Rei Momo negro de Porto Alegre, Adão Alves de Oliveira, o Lelé – que faleceu nesta semana, aos 88 anos – foi morador do Areal. “A fundação da Imperadores do Samba ocorreu na Rua Joaquim Nabuco, aqui na Cidade Baixa, e muitos fundadores eram da comunidade também”, complementa Fabiane.
Além disto, entre 1994 e 2000, o Areal da Baronesa teve uma escola de samba que competia no Carnaval porto-alegrense. Entre os nomes famosos da música gaúcha oriundos do Areal estão Bedeu e Leleco Teles, fundadores do Grupo Pau Brasil nos anos 1970 e tidos como precursores do samba-rock.
Alexandre Ribeiro conta que a comunidade tem procurado saber mais sobre a história que os liga ao futuro território quilombola. “Alguns jovens querem saber mais sobre nossa história. Nós temos casas de religião afro aqui, temos um grupo de capoeira. Estamos procurando resgatar nossas raízes para as nossas crianças entenderem”. Uma das iniciativas mais recentes é a escola de samba mirim do Areal da Baronesa, que tem marcado presença na atual onda de reerguimento do Carnaval de rua em Porto Alegre.

21 de jul. de 2013

Dia do Amigo (atrasado)


Eu sei, foi dia 20. Mas merece a postagem.
Do poeta Fabrício Carpinejar.

DIA DO AMIGO


Fabrício Carpinejar





Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade. Mandar relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação.

Os amigos são para toda vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira.

Temos o costume de confundir amizade com onipresença, e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão.

Amizade não é dependência, submissão. Não se tem amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra. É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.

Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa. Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas. E já se está falando mal dele por falta de notícias. Logo dele que nunca fez nada de errado!

O que é mais importante: a proximidade física ou a afetiva? A proximidade física nem sempre é afetiva. Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.

Amigo mesmo demora a ser descoberto. É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.

Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios. São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem estar.

Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade. Aqueles que não estão perto podem estar dentro. Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente. Não vou mentir a eles, “vamos nos ligar?”, num esbarrão de rua. Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.

Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados. Ou passar em casa todo final de semana ou me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos. Caso os encontre, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação. 

Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.

Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia. Significativos em cada etapa de formação. Não estão na nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinado, de forma perceptível, as nossas atitudes.

Quantas juras foram feitas em bares a amigos bêbados e trôpegos?

Amigo é o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade.

Imagem do dia:

Por que ninguém é de ferro! 
Boas férias!



20 de jul. de 2013

Por que a Classe Média sofre tanto?


Eu adoro o blog da Lola. Um dos espaços mais inteligentes e esclarecedores dessa internet. O post de hoje é retirado desse blog e fala sobre a classe média e a história mais recente desse país. Achei o texto bem didático e tranquilo dos alunos entenderem.



POR QUE A CLASSE MÉDIA SOFRE TANTO?

Que email fofo que a Adri me mandou!... Eu respondo lá embaixo.

"Querida Lola, como vai? Conheci seu blog no ano passado fazendo uma pesquisa sobre a Marcha das Vadias e amei. Virei leitora assídua dos seus posts! 
Meu nome é Adriana, sou mineira, moro em BH e tenho 16 anos. Gosto muito do jeito como você escreve, você encanta quem te lê!
Eu gostaria de te perguntar uma coisa, que não entendo e já perguntei para várias pessoas que também não souberam me explicar. O seguinte: por que a classe media brasileira tanto reclama? E do que reclama?
Esta dúvida me apareceu depois de ver os protestos de junho pelo Brasil. Não que eu ache que o movimento pela queda dos preços na passagem de ônibus não seja justo, mas a grande maioria das pessoas que vi nas passeatas estavam protestando contra o governo Dilma e sempre reclamando dos impostos que a classe média paga, pedindo a volta do PSDB. Todos os meus amigos que participaram diziam a mesma coisa: 'Fora PT! Acabem com o bolsa família! A classe média paga muitos impostos!'
Eu sou classe média. Estudo em escola particular aqui em BH, tenho acesso à diversão e tecnologia. Mas sei que minha família trabalha bastante para me dar estas coisas, enquanto vejo amigos cujos pais são ricos e não têm a mesma dificuldade. E são justamente eles que mais reclamam do governo. Mas por quê? A minha grande dúvida mesmo é: era realmente melhor para a classe média no governo FHC?
Meus pais são comerciantes, tenho mais duas irmãs mais velhas (32 e 30 anos -– sou a raspa do tacho!) e todos sempre trabalharam muito, seja na época do FHC ou agora. Meus pais não sabem dizer exatamente se antes do governo Lula era melhor para eles ou não, só sei que o nosso padrão de vida hoje é muito melhor.
Meus pais não prestam muita atenção em política. Votaram na Dilma e no Anastasia ao mesmo tempo, então eu cresci bem apartidária. Não sei ainda dizer se sou de direita ou esquerda. Não me lembro do governo de direita no Brasil, mas pelo menos não posso reclamar do governo Dilma.
A não ser por uma empregada doméstica que já não temos porque está difícil achar gente de confiança (classe média sofre, eu sei!), não tem nada que nós não tínhamos há 16 anos, muito pelo contrário.
Minhas irmãs entraram facilmente na UFMG, graças à escola particular que meus pais pagaram. Sei que hoje com as cotas para escolas públicas, pra mim poderá ser mais difícil, mas meus pais já ofereceram para pagar PUC se eu precisar. Quando minhas irmãs prestaram vestibular nem PUC elas tentaram porque meus pais não teriam condições de mantê-las. Não acho ruim o governo ter reservado as cotas para a escola pública, mas todos os meus amigos na escola estão revoltados. O engraçado e que eles querem cursos que nem têm na UFMG, teriam que ir para uma faculdade particular mesmo! 
Quando minhas irmãs fizeram 15 anos o sonho delas era ir pra Disney, e eu pude fazer isto no ano passado. Aliás, a minha família inteira viaja pra fora do Brasil já há algum tempo, coisa que ninguém nem imaginava que um dia faria. Todas as minhas amigas da escola, até mesmo as mais pobres, já foram pra Disney. Os alunos mais ricos passam férias na Europa todo mês de julho, inclusive perdendo semanas de aulas (a escola chegou a cogitar a possibilidade de termos férias de verão em junho e julho para coincidir com o verão do hemisfério norte).
Meus pais sempre tiveram um carro básico e agora têm um carro importado. Há cinco anos temos um bom plano de saúde, coisa impensável no passado.
A minha dúvida nisso tudo é: o governo do PT melhorou a vida apenas da minha família? Para algumas pessoas piorou? Mas se piorou não é isso que eu vejo! Todo mundo ao meu redor está 'mais rico'!
Perguntei a alguns professores na escola e a única coisa que eles me respondem é que a classe média paga muitos impostos. Mas aumentaram depois do PT? Sempre foram os mesmos? Qual a diferença?
Pelas pesquisas que fiz, parece que a educação piorou, mas ensinos fundamental e médio não são da responsabilidade dos estados? SP e MG são governadas pelo PSBD há anos! Mesma coisa com relação à violência; segurança não é de responsabilidade do estado?
Juro que não entendo! Será que você poderia me responder? Estou extremamente frustrada por não encontrar essas respostas com meus professores.
Muito obrigada por ler este email. Um grande beijo!"


Minha resposta: Adri, que gracinha que vc é! É muito interessante que vc não vá na onda de todo mundo que te rodeia e não faça coro à toda essa classe média que tanto sofre. 
Eu, vc, e a maioria dos leitorxs aqui do blog (e de qualquer blog, arrisco dizer) somos classe média. Se bobear, somos até classe média alta. E, ao contrário do que diz a classe média, e que você já percebeu, é uma maravilha ser classe média. Temos um bom lugar pra morar, temos opções de lazer, temos algum acesso à saúde, temos educação de boa qualidade, não precisamos nos preocupar com comida, temos um carro, o que significa que já levamos imensa vantagem de ir e vir num país que não dá a mínima pro transporte público. Sério mesmo, ser classe média é o que há. 
Seria melhor ser rico? Provavelmente. Mas aí a gente precisaria pensar no que faria, no que teria, se fosse rica. Não trabalharia? Viajaria mais? Comeria mais chocolate? (Não, só se eu fizesse um transplante de fígado). Deixaria de passar por todas essas privações pelas quais a gente já não passa? Convenhamos: nossa vida boa não ficaria tanto melhor.
O bom de ser classe média é que a gente depende pouco do governo, qualquer governo. Eu vivi durante a ditadura militar, Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma. Estou vivendo na minha sétima cidade agora e, salvo um breve período em que meu pai ficou desempregado e minha família mergulhou na incerteza, sempre fui classe média. E minha vida sempre foi bem igual. Quer dizer, hoje, depois de fazer mestrado e doutorado e virar professora universitária, meu salário dobrou. O maridão e eu gastamos mais que gastávamos em Joinville (hoje temos plano de saúde), mas nossa vida em geral é parecida. 
Hoje estou na faixa mais alta de imposto de renda, pra quem recebe acima de 47 mil reais ao ano. Pago 27,5% de imposto sobre o que ganho. Não acho injusto. Afinal, são os impostos que pagam educação, saúde, segurança etc. O que acho estranho é que quem tem salário acima de 47 mil ao ano paga 27,5%, a mesma coisa de quem recebe, sei lá, um milhão ao ano. Pra mim, quanto mais se ganha, mais se deveria pagar de imposto. Sou totalmente a favor do imposto sobre grandes fortunas e heranças, por exemplo. Mas a classe média é esquisita. Ela se identifica com os ricos, não com os pobres. Ela realmente acha que tem mais em comum com um bilionário que com o mendigo da esquina, tolinha. E não é só aqui, é em todo lugar. 
Olha só os EUA. Em 2011, Obama tentou aumentar os impostos daqueles que ganham mais de um milhão por ano. Essa alta só afetaria os 450 mil americanos mais ricos (0,3% da população!), e geraria uma receita extra de 1,5 trilhão de dólares por ano. Foi o bilionário Warren Buffett que deu a ideia, depois de notar que, em 2010, ele pagou US$ 6,9 milhões em impostos. Parece muito, mas foi apenas 17% da sua renda. No entanto, seus empregados pagaram entre 33% e 41% de taxas. 
Só que toda vez que se fala em aumentar impostos, a classe média (qualquer classe média) faz um escândalo, ainda que aquele aumento não afetará seu bolso. E foi isso: o projeto não passou. Ninguém paga menos impostos que os ricos.
No Brasil, ninguém paga mais impostos que os pobres. Então, se a classe média realmente quiser reclamar (e reclamar é diferente de protestar), deveria parar de defender os ricos e exigir que eles paguem mais impostos, ué. Isso é distribuição de renda, uma questão de justiça: os ricos pagam mais. Não é lógico? Mas a classe média acha que está no mesmo barco dos ricos, e odeia os pobres. Daí vem também o ódio à Bolsa Família, às cotas sociais e raciais... Boa parte da nossa classe média é contra a distribuição de renda, o que é de uma idiotice sem tamanho. Nosso país seria muito melhor pra todos se houvesse justiça social.
Praticamente todos os indicadores sociais apontam que o Brasil melhorou muito nos anos com o PT. Poderia, e deveria, ter melhorado muito mais, se o governo Dilma ousasse mais e honrasse seus ideais de esquerda, em vez de se aliar à direita em nome da "governabilidade". Mas PSDB nunca mais. Sei que pra vocês muito jovens é difícil lembrar, porque vcs eram crianças quando FHC foi defenestrado, mas o que me recordo dos anos FHC é que ele passou o primeiro mandato aprovando a emenda da reeleição, e o segundo acabou com um vergonhoso apagão. 
Mas, pra mim, por ser classe média, os anos 90 foram bons. Eu só sofri no bolso quando entrei no mestrado e vi que o valor da bolsa estava congelado havia oito anos!
Mas não tem como ficar comparando o governo FHC com os do PT pra sempre. A realidade da "herança maldita" (os problemas que o PSDB deixou ao país) não é mais assunto. Em 2014 os eleitores não vão comparar a administração de Dilma com a de um governo que acabou doze anos atrás. Vão comparar com o que deveria ser.
Saiu uma notícia esses dias que corrobora a ideia de que a classe média está sofrendo. Na última década, o salário médio de quem estudou mais de doze anos (ou seja, a elite intelectual do nosso país) caiu 8%, descontada a inflação. A média geral da população cresceu 22%, mas cresceu mais pra quem tem até quatro anos de estudo. Se a renda de quem tem menos escolaridade cresceu 32% em dez anos, e a de quem tem mais diminuiu 8%, isso reflete para reduzir a desigualdade. É o que faz a classe média reclamar que não se encontra mais uma empregada, ou que elas ficaram muito caras. 
Ainda assim, pergunta pra uma empregada se ela não trocaria a vida dela pela nossa num piscar de olhos. Então eu acho que é isso: a classe média sofre porque não reconhece seus privilégios. Porque finge que não sabe que classes mais baixas adorariam estar no lugar dela. Já eu torço pra que todo mundo seja classe média. Inclusive os ricos. 

9 de jul. de 2013

Ditadura Argentina em Desenho


Adorei essa iniciativa da televisão estatal da Argentina. Um desenho para crianças de seis a doze anos sobre o período da ditadura civil-militar da Argentina. Super bem feito o desenho, divertido e informativo.
Postarei a reportagem da Carta Capital sobre o assunto.

Animações argentinas explicam ditadura para crianças

Zamba
Desenho 'A Surpreendente Excursão de Zamba' mescla aventura com história para falar de episódios como a Guerra das Malvinas

Em uma viagem pelo tempo até a ditadura, a principal missão é resgatar o amigo das mãos militares e fazer a democracia voltar ao país com a ajuda das “urnas mágicas”. A ficção dá o tom fantasioso à aventura vivida pelo personagem Zamba, mas o roteiro do desenho animado La Asombrosa Excursión de Zamba (A Surpreendente Excursão de Zamba) tem um contexto amargo do passado argentino: o regime militar que vigorou entre 1976 e 1983.



Voltado para crianças de 6 a 12 anos, a série de animações é uma aposta do canal estatal argentino Paka Paka para ambientá-las a temas geralmente relegados aos livros de história nas salas de aula. Além do capítulo sobre a ditadura, entram no repertório episódios emblemáticos como a Guerra das Malvinas, no qual um soldado argentino explica ao pequeno Zamba que “há países que se sentem os reis do mundo” ao se referir à Grã Bretanha.

“Zamba convida as crianças a fazerem perguntas e refletirem sobre o que veem”, explica Cielo Salviolo, ex-diretora e atual consultora do canal Paka Paka. “São temas mais complexos, que não são contestados muito nas escolas, mas que quisemos contar em um formato mais atrativo e inovador para as crianças”, explica ela sobre a estética de videogame presente na animação - que até agora possui 14 capítulos.

No episódio sobre a ditadura, o menino José, cujo apelido é Zamba, tem contato com o regime militar durante uma excursão à Casa Rosada. Ainda dentro da sede de governo, seu amigo desaparece e, ao dizer que precisará voltar no tempo para resgatá-lo, o busto que remete ao classicismo e representa a “República” explica que a ditadura começou em 1976 com os militares tomando o poder e “disseminou o terror por todo o País”. Zamba precisará voltar à “época mais escura” da história argentina para ajudar seu amiguinho, mas sem a “República” por lá para defendê-lo. Depois do contato com os militares – que falam ao telefone com os EUA para garantir que o “plano de ditadura em toda a América Latina será um êxito” – Zamba é detido, mas consegue sair vitorioso com com a ajuda das urnas eleitorais, símbolo das eleições diretas. No final do episódio, Zamba, seus amigos e até mesmo as “Mães de Maio” celebram o fim do período repressor.

Regionalismo. Além de resgatar passagens da história argentina, o desenhos traz características comuns a qualquer criança – como o sonho de ser astronauta – e uma série de elementos regionais. No início de cada capítulo, o protagonista explica que vive na cidade de Clorinda, na província de Formosa, e que sua comida preferida é o chipá, cuja massa é semelhante ao nosso pão de queijo. Ele tem como animal de estimação uma capivara, e na escola interage com outras crianças e com a professora, que veste o clássico avental branco.

O projeto, explica Cielo, surgiu pela necessidade do Ministério da Educação em fazer um desenho pensado para meninos e meninas argentinas. “Temos um problema comum a todos os países da América Latina. Tínhamos nos canais daqui produções feitas nos EUA para México, Brasil, Argentina. O ministério resolveu apostar em uma produção nacional como política de educação e cultura para as nossas crianças”, conta. O canal funciona desde 2010. Para alcançar a verossimilhança com o universo argentino, a produção conta com a supervisão de historiadores e educadores.

Desde que começou a produzir e distribuir as animações nas escolas públicas do país, o canal estatal se viu envolto em polêmicas e críticas. Historiadores e sociólogos acharam precoce tratar determinados temas entre os pequenos. Alguns condenaram a “versão oficial” contida na animação, feita pela produtora Perro en la Luna e dirigida por Sebastián Mignona.

Os produtores rebatem as críticas. “Na verdade, mostramos que é possível contar uma história de maneira divertida e reflexiva. E isso sempre gerará polêmica”, avalia Cielo. “Mas o importante é não subestimarmos as crianças e lembrarmos que elas também são capazes de compreender os processos históricos.”

Segue o link para o trailer do desenho (com legendas em português): http://www.youtube.com/watch?v=6hd_i8HQC3o




8 de jul. de 2013

Diferença entre UFRGS e ENEM

A professora aqui resolveu procurar umas questões da UFRGS e do ENEM para um trabalho avaliativo dos alunos. Olhando provas e mais provas de diversos anos, eis que duas questões se parecem. Esse exemplo ajuda a perceber diferenças entre as provas. 
Vamos as questões:

ENEM 2012:

BURKE, P. A fabricação do rei. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
Na França, o rei Luís XIV teve sua imagem fabricada por um conjunto de estratégias que visavam sedimentar uma determinada noção de soberania. Neste sentido, a charge apresentada demonstra

a) a humanidade do rei, pois retrata um homem comum, sem os adornos próprios à vestimenta real

b) a unidade entre o público e o privado, pois a figura do rei com a vestimenta real representa o público e sem a vestimenta real, o privado

c) o vínculo entre a monarquia e povo, pois leva ao conhecimento do público a figura de um rei despretensioso e distante do poder político.

d) o gosto estético refinado do rei, pois evidencia a elegância dos trajes reais em relação aos de outros membros da corte.

e) a importância da vestimenta para a constituição simbólica do rei, pois o corpo político adornado esconde os defeitos do corpo pessoal

UFRGS 2004

Observe a figura abaixo, que representa a construção da imagem do Rei-Sol.

Luís XIV assumiu o poder monárquico francês em
1661 e, em pouco tempo, impôs à França e à Europa a imagem pública de um Rei-Sol todo poderoso. Toda uma máquina de propaganda foi colocada a serviço do rei francês. Escritores, historiadores, escultores e pintores foram convocados ao 
exercício da sua glorificação. O mito de Luís XIV 
foi criado em meio a mudanças socioeconômicas 
e políticas na França do século XVII.

A esse respeito, considere as seguintes afirmações.
I - Luís XIV, rei por direito divino, suscitou a admiração de seus pares europeus, Versalhes foi copiada por toda a Europa, o francês consolidou-se como língua falada pela elite européia. Porém, sombras viriam a ofuscar o Rei-Sol, visto que a oposição exilada começou a denunciar a autocracia do monarca francês.
II - Para restabelecer a paz no reino, após a rebelião da Fronda e a Guerra dos Trinta Anos, e dedicar-se à consolidação da cultura francesa como universal, Luís XIV devolveu o poder das províncias às grandes famílias aristocráticas.
III - A fim de criar uma imagem pública positiva e democrática, Luís XIV organizou a partilha do poder de Estado com o Parlamento e com o Judiciário, dando início à divisão dos três poderes, cara a Montesquieu e fundamental para os novos rumos da política européia.

Quais estão corretas ?
a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e III.
e) Apenas II e III.

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Respostas: 
ENEM - E
UFRGS - A

As questões abordam a mesma imagem da construção simbólica do rei francês Luís XIV. Entretanto, há diferenças entre elas. A questão do ENEM é interpretativa. Somente com o texto da pergunta tu resolves. De acordo com o texto, o Luís XIV teve a "imagem fabricada por um conjunto de estratégias", o que remete a um simbolismo, à criação de um soberano que é mortal mas deve ser representante divino. 
Se analisarmos as alternativas, a resposta aparece de forma mais clara, pois se a ideia é apresentar "a imagem fabricada do rei" e o simbolismo do soberano, a alternativa A não poderia ser. A B não é contemporânea ao absolutismo, não havia público e privado nessa época, tudo era em torno do rei e as pessoas que moravam na França eram os súditos do soberano, nada de cidadania como conhecemos hoje. A C também é descontextualizada, pois se a ideia era "montar" um rei soberano, essa charge não seria apresentada aos súditos, somente o quadro com o Luís XIV todo poderoso. A letra D é para aqueles que não entenderam a pergunta, completamente fora da ideia de simbolismo e "fabricação do rei", mas correta se formos pensar no contexto do absolutismo. A corte francesa era chique, mas o rei seria sempre mais, afinal ele era o soberano.

Já a UFRGS não requer somente interpretação. Tem que saber o conteúdo. Para dificultar, essa pergunta é composta por alternativas que necessitam ser confirmadas em sua autenticidade. Isso só complica a vida do vestibulando. Não basta saber de Luís XIV e absolutismo. Tem que entender as alternativas e perceber se estão certas ou erradas. 
A alternativa II está errada, pois o rei não devolve o poder para as famílias aristocráticas das províncias. A alternativa III está errada devido à ideia de democracia totalmente fora de contexto ao absolutismo europeu.

Espero que a comparação entre as duas questões ajude a perceber que ENEM e UFRGS possuem suas diferenças quanto a cobrança do conteúdo.