Total de visualizações de página

22 de jul. de 2013

Território quilombola em Porto Alegre

Trago hoje uma reportagem de um possível novo território quilombola em Porto Alegre. Antes de colar a notícia, vale a pena esclarecer alguns pontos.
A escravidão ocorreu em todo o território brasileiro. Portanto, pode haver territórios quilombolas em qualquer lugar do país.Quando a gente escuta ou lê sobre quilombos, é mais provável lembrar do Quilombo dos Palmares, que esteve localizado no território do atual estado do Alagoas, e de Zumbi dos Palmares. Entretanto, muitos territórios pelo país foram ocupados pelos escravos e seus descendentes, antes ou depois da abolição da escravatura em 1888. 
Atualmente, os locais que são considerados territórios quilombolas possuem garantias diferenciadas. A principal é a permanência do local para os descendentes de escravos. Nem todos os territórios quilombolas estão situados nas periferias das cidades. Aliás, a ocupação dos espaços mudam com o passar do tempo e o que antes era longe do centro da cidade, com o tempo, o crescimento da população, as transformações nas cidades e a especulação imobiliária, pode acabar se situando em uma zona muito valorizada. Estar em uma área que é muito valorizada é um problema para um quilombo, que em sua maioria é formado por uma população muito pobre, já que os escravos depois da abolição foram abandonados as suas próprias sortes e seus descendentes estão lutando, ainda hoje, por melhores condições de vida. Aos olhos de muitos, esses territórios são "favelas", "casebres", "lugar de gente pobre e feia", "onde só tem maloqueiro".
Para um local ser considerado um território quilombola é necessário muita burocracia e estudo. Necessita-se de um relatório sócio-histórico-antropológico feito por uma equipe multidisciplinar (antropólogos, historiadores, funcionários estatais, comunidade, etc) que realmente comprove que aquele espaço foi ocupado por escravos e que seus descendentes ainda estão lá. Isso leva anos para ficar pronto.

Segue a reportagem retirada do jornal Sul21:

Areal da Baronesa está perto de se tornar território quilombola

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Origem de área quilombola remonta ao século XIX | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Felipe Prestes
Foi publicado nesta quinta (18) no Diário Oficial o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola do Areal/Luiz Guaranha. Após a publicação deste documento, o rito determina um período de 90 dias para contestações, mas isto não deve acontecer. “Só afeta áreas públicas, do Governo do Estado e Prefeitura de Porto Alegre, e já há acordo com eles para a titulação do território quilombola”, explica a antropóloga Janaína Lobo, do INCRA. Em pouco tempo, portanto, a comunidade terá posse definitiva da área que habita há mais de um século.
Conhecido como o Areal da Baronesa, o local fica no limite entre os bairros Cidade Baixa e Menino Deus e é um dos mais tradicionais redutos de cultura negra na capital gaúcha. A área de 4,5 mil m² compreende a Avenida Luiz Guaranha, que, na verdade, é uma rua sem saída, onde vivem 67 famílias e cerca de 300 pessoas.
Segundo o relatório sócio-histórico-antropológico, que é parte do RTID e foi coordenado pela antropóloga Denise Jardim, da UFRGS, a área pertencia à Baronesa de Gravataí e passou a ser reduto de ex-escravos e seus descendentes no século XIX, em data imprecisa. “A ocupação remonta à chácara da Baronesa do Gravataí, essas pessoas são remanescentes de quem vivia na senzala desta chácara. Claro que, como em toda comunidade viva, outras pessoas foram se agregando ali. Não é possível precisar a data. O certo é que foi no século XIX”, explica Janaína Lobo.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Comunidade do Areal da Baronesa buscava titulação há mais de dez anos | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
“Naquela época os jornais tratavam o Areal como se fosse outro país dentro de Porto Alegre. Há uma especificidade cultural e uma história ligada ao período da escravidão, características dos territórios quilombolas, além de um vínculo comunitário e espacial”, complementa a antropóloga.
A comunidade busca a titulação há mais de dez anos, embora o processo tenha começado, de fato, em 2005. “Não temos palavras. É a vitória do nosso movimento. Muitas vezes a gente procurava ajuda e não tinha resposta”, comemora Alexandre Ribeiro, presidente da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal.
Janaína Lobo explica que a posse da área será coletiva, em nome da associação. A área não poderá ser vendida, nem penhorada. Haverá total autonomia para admitir novos moradores, novas construções, mas todas as decisões têm que passar por reuniões da associação. “A emissão de título é muito importante porque garante que eles permanecerão, não ficarão à mercê de possíveis reestruturações urbanas forçadas. É incrível como a comunidade conseguiu se manter em uma área central da cidade desde o século XIX, já que Porto Alegre é alvo de frequentes remoções forçadas e processos de gentrificação”.
Alexandre Ribeiro afirma que já houve especulações sobre a remoção da comunidade, mas que nunca passaram de boatos. “Agora, a gente não sai mais. E poderemos nos focar em melhorias nas nossas casas, um futuro melhor para nossas crianças”.
 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Primeiro Rei Momo de Porto Alegre era morador do Areal da Baronesa | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Areal foi reduto do Carnaval em Porto Alegre
Entre as décadas de 1920 a 1950, aproximadamente, o Areal da Baronesa foi um dos redutos do Carnaval de rua em Porto Alegre. “Na época de minha avó e minha bisavó, grupos chamados de coretos passavam por aqui. Era costume moradores oferecerem uma grande festa em sua casa para determinado coreto”, conta Fabiane Xavier, integrante da Associação Comunitária e Cultural Quilombo do Areal.
Com o surgimento das escolas de samba, o festejo nos bairros minguou, mas a região seguiu sendo importante para a folia. O primeiro Rei Momo negro de Porto Alegre, Adão Alves de Oliveira, o Lelé – que faleceu nesta semana, aos 88 anos – foi morador do Areal. “A fundação da Imperadores do Samba ocorreu na Rua Joaquim Nabuco, aqui na Cidade Baixa, e muitos fundadores eram da comunidade também”, complementa Fabiane.
Além disto, entre 1994 e 2000, o Areal da Baronesa teve uma escola de samba que competia no Carnaval porto-alegrense. Entre os nomes famosos da música gaúcha oriundos do Areal estão Bedeu e Leleco Teles, fundadores do Grupo Pau Brasil nos anos 1970 e tidos como precursores do samba-rock.
Alexandre Ribeiro conta que a comunidade tem procurado saber mais sobre a história que os liga ao futuro território quilombola. “Alguns jovens querem saber mais sobre nossa história. Nós temos casas de religião afro aqui, temos um grupo de capoeira. Estamos procurando resgatar nossas raízes para as nossas crianças entenderem”. Uma das iniciativas mais recentes é a escola de samba mirim do Areal da Baronesa, que tem marcado presença na atual onda de reerguimento do Carnaval de rua em Porto Alegre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário